QUESTÕES DIVERSAS
DISSERTAÇÃO DE UM ESPÍRITO SOBRE A INFLUÊNCIA MORAL
226. 1. O desenvolvimento da mediunidade se processa na razão do desenvolvimento moral do médium?
— Não. A faculdade propriamente dita é orgânica, e portanto independente da moral. Mas já não acontece o mesmo com o seu uso, que pode ser bom ou mau, segundo as qualidades do médium.
2. Sempre se disse à mediunidade é um dom de Deus, uma graça,um favor divino. Porque, então, não é um privilégio dos homens de bem? E porque há criaturas indignas que a possuem no mais alto grau e a empregam no mau sentido?
— Todas as nossas faculdades são favores que devemos agradecer a Deus, pois há criaturas que não as possuem. Podias perguntar porque Deus concede boa visão a malfeitores, destreza aos larápios, eloqüência aos que só a utilizam para o mal. Acontece o mesmo com a mediunidade. Criaturas indignas a possuem porque dela necessitam mais do que as outras, para se melhorarem. Pensas que Deus recusa os meios de salvação dos culpados? Ele os multiplica nos seus passos, coloca-os nas suas próprias mãos. Cabe a eles aproveitá-los. Judas, o traidor, não fez milagres e não curou doentes, como apóstolo? Deus lhe permitiu esse dom para que mais odiosa lhe parecesse à traição.
3. Os médiuns que empregam mal as suas faculdades, que não as utilizam para o bem ou que não as aproveitam para a sua própria instrução, sofrerão as conseqüências disso?
— Se as usarem mal, serão duplamente punidos, pois perdem a oportunidade de aproveitar um meio a mais de se esclarecerem. Aquele que vê claramente e tropeça é mais censurável que o cego que cai na valeta.
4. Há médiuns que recebem comunicações espontâneas, quase freqüentemente, sobre um mesmo assunto, tratando de certas questões morais, por exemplo, relativas a determinados defeitos. Terá isso algum fim?
— Sim, e a finalidade é esclarecê-los a respeito do assunto constantemente repetido, ou corrigi-los de certos defeitos. É por isso que a uns os Espíritos falam sempre do orgulho, a outros da caridade, pois somente a insistência poderá por fim abrir-lhes os olhos. Não há médium empregando mal a sua faculdade, seja por ambição ou interesse, ou prejudicando-a por um defeito essencial, como o egoísmo, o orgulho, a leviandade, e que não receba de tempos em tempos alguma advertência dos Espíritos. O mal é que na maioria das vezes ele não a toma para si mesmo.
Observação de Kardec: Os Espíritos dão lições quase sempre com reserva, de maneira indireta, para deixarem maior mérito aos que as aproveitam. Mas são tais a cegueira e o orgulho de certas pessoas, que elas não reconhecem nas lições recebidas. E ainda mais: se o Espírito lhes dá a entender que se referem a elas, zangam-se e chamam o Espírito de mentiroso ou de atrevido. Bata isso para mostrar que o Espírito tem razão.
5. Ao receber lições de sentido geral, sem aplicação pessoal, o médium não age como instrumento passivo ao serviço da instrução dos outros?
— Quase sempre esses avisos e conselhos não são dirigidos a ele, mas a outras pessoas que só podemos atingir através da sua mediunidade. Mas ele também, se não estiver cego pelo amor próprio, deve tomar a sua parte. Não penses que a faculdade mediúnica seja dada apenas à correção de uma ou duas pessoas. Não. O objetivo é maior: trata-se da Humanidade. Um médium é um instrumento que, como indivíduo, importa muito pouco. Por isso, quando damos instruções de interesse geral, utilizamos os que nos oferecem as facilidades necessárias. Mas podes estar certo de que chegará o tempo em que os bons médiuns serão muito comuns, para que os Espíritos bons não precisem mais se servir de maus instrumentos.
6. Se as qualidades morais do médium afastam os Espíritos imperfeitos, porque um médium dotado de boas qualidades transmite respostas falsas ou grosseiras?
— Conheces todos os segredos da sua alma? Além disso, sem ser vicioso ele pode ser leviano e frívolo. E pode também necessitar de uma lição, para que se mantenha vigilante.
7. Por que os Espíritos superiores permitem que pessoas dotadas de grande mediunidade, e que poderiam fazer muito bem, se tornem instrumentos do erro?
— Eles procuram influenciá-las, mas quando elas se deixam arrastar por um mau caminho, não as impedem. É por isso que delas se servem com repugnância, porque a verdade não pode ser interpretada pela mentira.(1)
8. É absolutamente impossível receber boas comunicações por um médium imperfeito?
— Um médium imperfeito pode às vezes obter boas coisas, porque, se tem uma boa faculdade, os bons Espíritos podem servir-se dele na falta de outro, em determinada circunstância. Mas não o fazem sempre, pois quando encontram outro que melhor lhes convém, lhe dão preferência.
Observação de Kardec: Deve-se notar que os Espíritos, ao considerarem que um médium deixa de ser bem assistido, tornando-se, por suas imperfeições, presa de Espíritos enganadores, quase sempre provocam circunstâncias que revelam os seus defeitos e o afastam das pessoas sérias, bem intencionadas, de cuja boa fé poderiam abusar. Nesse caso, sejam quais forem as suas faculdades, nada se tem a lamentar.
9. Qual seria o médium que poderíamos considerar perfeito?
— Perfeito? É pena, mas bem sabes que não há perfeição sobre a Terra. Se não fosse assim, não estarias nela. Digamos antes bom médium, e já é muito, pois são raros. O médium perfeito seria aquele que os maus Espíritos jamais ousassem fazer uma tentativa de enganar. O melhor é o que, simpatizando com os bons Espíritos, tem sido enganado menos vezes.
10. Se ele simpatiza apenas com os bons Espíritos, como estes permitem que seja enganado?(2)
— Os Espíritos bons permitem que os melhores médiuns sejam às vezes enganados, para que exercitem o seu julgamento e aprendam a discernir o verdadeiro do falso. Além disso, por melhor que seja um médium, jamais é tão perfeito que não tenha um lado fraco, pelo qual possa ser atacado. Isso deve servir-lhe de lição. As comunicações falsas que recebe de quando em quando são advertências para evitar que se julgue infalível e se torne orgulhoso. Porque o médium que recebe as mais notáveis comunicações não pode se vangloriar mais do que o tocador de realejo, que basta virar a manivela do seu instrumento para obter belas árias.
11. Quais as condições necessárias para que a palavra dos Espíritos superiores nos chegue sem qualquer alteração?
— Desejar o bem e repelir o egoísmo e o orgulho: ambos são necessários.
12. Se a palavra dos Espíritos superiores só nos chega pura em condições tão difíceis, isso não é um obstáculo à propagação da verdade?
— Não, porque a luz chega sempre ao que a deseja receber. Aquele que deseja esclarecer-se deve fugir das trevas, e as trevas estão na impureza do coração. Os Espíritos que consideras como personificações do bem não atendem de boa vontade aos que têm o coração manchado de orgulho, de cupidez e falta de caridade. Que se livrem, pois, de toda a vaidade humana, os que desejam esclarecer-se, e humilhem a sua razão ante o poder infinito do Criador. Será essa a melhor prova de sua sinceridade. E todos podem cumprir essa condição.(3)
227. Se o médium, quanto à execução, é apenas um instrumento, no tocante à moral exerce grande influência. Porque o Espírito comunicante identifica-se com o Espírito do médium, e para essa identificação é necessário haver simpatia entre eles, e se assim podemos dizer, afinidade.(4)
A alma exerce sobre o Espírito comunicante uma espécie de atração ou de repulsão, segundo o grau de semelhança ou dessemelhança entre eles. Ora, os bons têm afinidade com os bons e os maus com os maus, de onde se segue que as qualidades morais do médium têm influência capital sobre a natureza dos Espíritos que se comunicam por seu intermédio.
Se o médium é de baixa moral, os Espíritos inferiores se agrupam em torno dele e estão sempre prontos a tomar o lugar dos bons Espíritos a que ele apelou. As qualidades que atraem de preferência os Espíritos bons são: a bondade, a benevolência, a simplicidade de coração, o amor ao próximo, o desprendimento das coisas materiais. Os defeitos que os afastam são: o orgulho, o egoísmo, a inveja, o ciúme, o ódio, a cupidez, e sensualidade e todas as paixões pelas quais o homem se apega à matéria.
228. Todas as imperfeições morais são portas abertas aos Espíritos maus, mas a que eles exploram com mais habilidade é o orgulho, porque é essa a que menos a gente se confessa a si mesmo. O orgulho tem posto a perder numerosos médiuns dotados das mais belas faculdades, que, sem ele, seriam instrumentos excelentes e muito úteis.
Tornando-se presa de Espíritos mentirosos, suas faculdades foram primeiramente pervertidas, depois aniquiladas, e diversos se viram humilhados pelas mais amargas decepções.
O orgulho se manifesta, nos médiuns, por sinais inequívocos, para os quais é necessário chamar a atenção, porque é ele um dos elementos que mais devem despertar a desconfiança sobre a veracidade das suas comunicações. Começa por uma confiança cega na superioridade das comunicações recebidas e na infalibilidade do Espírito que as transmite. Disso resulta um certo desdém por tudo o que não procede deles, que julgam possuir o privilégio da verdade.(5)
O prestígio dos grandes nomes com que se enfeitam os Espíritos que se dizem seus protetores os deslumbra. E como o seu amor próprio sofreria se tivessem de se confessar enganados, repelem toda espécie de conselhos e até mesmo os evitam, afastando-se dos amigos e de quem quer que lhes possam abrir os olhos. Se concordarem em ouvir essas pessoas, não dão nenhuma importância às suas advertências, porque duvidar da superioridade do Espírito que os guia seria quase uma profanação.
Chocam-se com a menor discordância, com a mais leve observação crítica, e chegam às vezes a odiar até mesmo as pessoas que lhes prestam serviços.
Favorecendo esse isolamento provocado pelos Espíritos que não querem ter contraditores esses mesmos Espíritos tudo fazem para os entreter nas suas ilusões, levando-os ingenuamente a considerar os maiores absurdos como coisas sublimes.
Assim: confiança absoluta na superioridade das comunicações obtidas, desprezo pelas que não vierem por seu intermédio, consideração irrefletida pelos grandes nomes, rejeição de conselhos, repulsa a qualquer crítica, afastamento dos que podem dar opiniões desinteressadas, confiança na própria habilidade apesar da falta de experiência – são essas as características dos médiuns orgulhos.(6)
Necessário lembrar ainda que o orgulho é quase sempre excitado no médium pelos que dele se servem. Se possui faculdades um pouco além do comum, é procurado e elogiado, julgando-se indispensável e logo afetando ares de importância e desdém, quando presta o seu concurso. Já tivemos de lamentar, várias vezes, os elogios feitos a alguns médiuns, com a intenção de encorajá-los.
229. Ao lado desse quadro,vejamos o do médium verdadeiramente bom, em que se pode confiar.
Suponhamos, primeiro, uma facilidade de execução suficientemente grande para permitir que os Espíritos se comuniquem livremente, sem o embaraço de qualquer dificuldade material. Isso posto, o que mais importa considerar é a natureza dos Espíritos que o assistem habitualmente, e para tanto o que mais nos deve interessar não são os nomes, mas a linguagem. Jamais ele deve esquecer-se de que a simpatia que conseguir entre os Espíritos bons estará na razão dos esforços para afastar os maus. Convicto de que a sua faculdade é um dom que lhe foi concedido, para o bem, não se prevalecerá dela de maneira alguma, nem se atribuirá qualquer mérito por possuí-la. Recebe como uma graça às boas comunicações, devendo esforçar-se por merecê-las através da sua bondade, da sua benevolência e da sua modéstia. O primeiro se orgulha de suas relações com os Espíritos superiores; este se humilha, por se considerar sempre indigno desse favor.
230. A instrução, sobre este assunto, nos foi dada por um Espírito de que já reproduzimos muitas comunicações:
Já o dissemos: os médiuns, como médiuns, exercem influência secundária nas comunicações dos Espíritos. Sua tarefa é a de uma máquina elétrica de transmissão telegráfica entre dois lugares distantes da Terra. Assim, quando queremos ditar uma comunicação, agimos sobre o médium como o telegrafista sobre o aparelho. Quer dizer, da mesma maneira que o tique do telégrafo vai traçando, a milhares de léguas, numa tira de papel, os sinais reprodutores do despacho, nós também nos comunicamos através das distâncias imensuráveis que separam o mundo visível do mundo invisível, o mundo imaterial do mundo encarnado, aquilo que desejamos vos ensinar por meio do aparelho mediúnico.
Mas, assim também como as influências atmosféricas freqüentemente atuam sobe as transmissões telegráficas e as perturbam, a influência moral do médium age algumas vezes sobre a transmissão dos nossos despachos de além túmulo e os perturbam, por que somos obrigados a fazê-los atravessar um meio contrário. Entretanto, na maioria das vezes essa influência é anulada pela nossa energia e a nossa vontade, e nenhuma perturbação se verifica. Com efeito, os ditados de elevado alcance filosófico, as comunicações de moralidade perfeita são transmitidas às vezes por médiuns pouco apropriados a essa função superior, enquanto de outro lado, comunicações pouco edificantes chegam às vezes por médiuns que se envergonham de lhes servir de condutores.(7)
De maneira geral, pode-se afirmar que os Espíritos similares se atraem, e que raramente os Espíritos das plêiades elevadas se comunicam por mal condutores, quando podem dispor de bons aparelhos mediúnicos, de bons médiuns, numa palavra.
Os médiuns levianos, pouco sérios, chamam, pois, os Espíritos da mesma natureza. É por isso que as suas comunicações se caracterizam pela banalidade,a frivolidade, as idéias truncadas e quase sempre muito heterodoxas, falando-se espiritualmente.(8) Certamente eles podem dizer e dizem às vezes boas coisas, mas é precisamente nesse caso que é preciso submetê-las a um exame severo e escrupuloso. Porque, no meio das boas coisas, certos Espíritos hipócritas insinuam com habilidade e calculada perfídia fatos imaginados, asserções mentirosas, como fim de enganar os ouvintes de boa fé.
Deve-se então eliminar sem piedade toda palavra e toda frase equívocas, conservando no ditado somente o que a lógica aprova ou o que a Doutrina já ensinou.
As comunicações dessa natureza só são perigosas para os espíritas que agem isolados, os grupos recentes ou pouco esclarecidos, porque, nas reuniões de adeptos mais adiantadas e experientes, é inútil a gralha de se adornar com penas de pavão, pois será sempre impiedosamente descoberta.(9)
Não falarei dos médiuns que se comprazem em solicitar e receber comunicações obscenas. Deixá-los que se comprazam na sociedade dos Espíritos cínicos. Aliás, as comunicações dessa espécie exigem por si mesmas a solidão e o isolamento. Não poderiam, em qualquer circunstância, senão provocar o desdém e a repugnância entre os membros de grupos filosóficos e sérios.
Mas onde a influência moral do médium se faz realmente sentir é quando este substitui pelas suas pessoas aquelas que os Espíritos se esforçam por lhe sugerir. É ainda quando ele tira, da sua própria imaginação, as teorias fantásticas que ele mesmo julga, de boa fé, resultar de uma comunicação intuitiva. Nesse caso, há mil possibilidades contra uma de que isso não passe de reflexo do Espírito pessoal do médium.
Acontece mesmo este fato: a mão do médium se movimenta às vezes quase mecanicamente, impulsionada por um Espírito secundário e zombeteiro.(10)
É essa a pedra de toque das imaginações ardentes. Porque, levados pelo ardor das suas próprias idéias, pelos artifícios dos seus conhecimentos literários, os médiuns desprezam o ditado modesto de um Espírito prudente e, deixando a presa pela sombra, os substituem por uma paráfrase empolada. Contra esse temível escolho se chocam também as personalidades ambiciosas que, na falta das comunicações que os Espíritos bons lhe recusam, apresentam as suas próprias obras como sendo deles. Eis porque é necessário que os dirigentes de grupos sejam dotados de tato apurado e de rara sagacidade, para discernir as comunicações autênticas e ao mesmo tempo não ferir os que se deixam iludir.
Na dúvida, abstém-te, diz um dos vossos antigos provérbios. Não admitais, pois, o que não for para vós de evidência inegável. Ao aparecer uma nova opinião, por menos que vos pareça duvidosa, passai-a pelo crivo da razão e da lógica. O que a razão e o bom senso reprovam, rejeitai corajosamente. Mais vale rejeitar dez verdades do que admitir uma única mentira, uma única teoria falsa(11).
Com efeito, sobre essa teoria podereis edificar todo um sistema que desmoronaria ao primeiro sopro da verdade, como um monumento construído sobre a areia movediça. Entretanto, se rejeitais hoje certas verdades, porque não estão para vós clara e logicamente demonstradas, logo um fato chocante ou uma demonstração irrefutável virá vos afirmar a sua autenticidade.
Lembrai-vos, entretanto, ó espíritas! De que nada é impossível para Deus e para os Espíritos bons, senão a injustiça e a iniqüidade.
O Espiritismo já está hoje bastante divulgado entre os homens, e já moralizou suficientemente os adeptos sinceros da sua doutrina, para que os Espíritos não se vejam mais obrigados a utilizar maus instrumentos, médiuns imperfeitos. Se agora, portanto, um médium, seja qual for, por sua conduta ou seus costumes, por seu orgulho, por sua falta de amor e de caridade, der um motivo legítimo de suspeição, rejeitai, rejeitai as suas comunicações, porque há uma serpente oculta na relva. Eis a minha conclusão sobre a influência moral dos médiuns. – ERASTO.
(1) Esta resposta coincide com a que foi dada a Kardec pelo espírito de Hahnemann, a 10 de junho de 1856, quando ele pretendia apressar a elaboração de O Livro dos Espíritos, servindo-se de outro médium além das meninas Boudin. O Espírito, respondeu que não convinha, porque: a verdade não pode ser interpretada pela mentira. Ver o episódio em Obras Póstumas, segunda parte. (N. do T.)
(2) O verbo simpatizar é aplicado neste caso com o sentido de ter afinidade, ou como diríamos hoje, de sintonizar. (N. do T.)
(3) Humilhar a razão, que é sempre orgulhosa, submetendo-a a realidade dos fatos e reconhecendo a existência de um poder superior. Isto não quer dizer abdicar da razão, mas exercitá-la no bom sentido. O exercício da razão, que dá ao homem o poder de discernir e escolher, o torna orgulhoso, como o desenvolvimento das faculdades intelectuais no adolescente o faz atrevido e rebelde. Está nisso a dificuldade de unir a fé e a razão, que o Espiritismo, entretanto, vem resolver, dando à razão a sua justa aplicação. (N. do T.)
(4) Kardec estabelece aqui uma diferença entre a simples simpatia e a afinidade, porque a simpatia é às vezes um grau inferior da afinidade, sendo entretanto suficiente para atrair os Espíritos como entre nó atrai as pessoas. (N. do T.)
(5) Numerosos exemplos dessa fascinação podem ser observados entre nós com o aparecimento de médiuns que se arrogam missões renovadoras, servindo de instrumento a Espíritos mistificadores, lançando mensagens e livros que confundem o público, e até mesmo atirando-se à crítica leviana da Codificação. Os principiantes devem ler com a maior atenção este capítulo, que lhes servirá de escudo contra os embustes dessa espécie, permitindo-lhes perceber facilmente as características aqui indicadas, nos casos concretos com que se defrontem. (N. do T.)
(6) O estudante deve gravar bem as características deste quadro, que destacamos graficamente por sua importância. Em geral, os médiuns orgulhos, e portanto sujeitos a obsessões, estão nele inteiramente retratados. Alguns apresentam pequenas variantes, como o fato de fingir que aceitam as críticas, o que facilmente se percebe que é apenas um artifício. (N. do T.)
(7) A distinção feita pelo Espírito, entre as influências materiais que perturbam as transmissões telegráficas e as influências morais que agem na comunicação mediúnica, tem hoje a sanção da Ciência através das pesquisas parapsicológicas. As experiências de transmissão de pensamento realizadas à distância, entre os Estados Unidos e a lugoslávia (Universidade de Duke e Universidade de Zagreb) e entre países da Europa (lideradas pela Universidade de Cambridge, Inglaterra) demonstraram que não há barreiras materiais para impedi-las e que somente influências psicológicas podem perturbá-las. Ver os relatos de Rhine em O Alcanceda Mente e O Novo Mundo da Mente, e estudos a respeito em Parapsicologia e Suas Perspectivas, de nossa autoria. (N. do T.)
(8) Notar a expressão: idéias heterodoxas falando espiriticamente, que se refere à necessidade de preservar a ortodoxia doutrinária, ou seja, a opinião certa, contra as opiniões estranhas que os Espíritos perturbadores procuram introduzir no meio espírita. (N. do T.)
(9) As comunicações dessa natureza fazem escola em nosso país e na América, inteiramente infestada de doutrinas imaginosas e portanto pessoais, formuladas por um Espírito através de determinado médium ou por um pretenso profeta que lhe serve de instrumento. Só a falta de estudo deste livro, como se vê, pode justificar essa aberração no meio espírita, onde as instruções aqui dadas deviam ser suficientes para afastar essas mistificações. (N. do T.)
(10) As experiências psicológicas de escrita automática provaram que inconsciente dos sujeitos pode movimentar-lhes a mão se ela fosse impulsionada por um Espírito. Esse caso é conhecido nos estudos espíritas como anímico. O Espírito do médium, portanto a sua alma, pode comunicar-se como qualquer outro Espírito. Da mesma maneira, um Espírito zombeteiro pode agir livremente sobre o médium, ou em conjugação com a sua própria vontade, para escrever o que ele deseja, como se fosse ditado por um Espírito elevado. Os espíritas experientes sabem discernir com facilidade a comunicação anímica da espírita. No caso acima tratado, o médium se julga intuído e portanto está consciente do que escreve, mas a sua mão é impulsionada pelo Espírito zombeteiro que se diverte ao fazê-lo acreditar que está sob a ação de um Espírito elevado. Como se vê, a prática mediúnica exige o estudo sistemático deste livro. (N. do T.)
(11) Essa regra de ouro do Espiritismo, dada, como se vê, pelo Espírito Erasto, discípulo do apóstolo Paulo, espalhou-se como sendo o próprio Kardec e em forma diferente, ou seja: Mais vale rejeitar noventa e nove verdades do que aceitar uma mentira. Foi por esse motivo que a grifamos no texto. Trata-se, realmente, de uma regra que deve ser constantemente observada nos trabalhos e nos estudos espíritas. (N. do T.)
231. 1. O meio em que o médium se encontra exerce alguma influência sobre as manifestações?
— Todos os Espíritos que cercam o médium o ajudam para o bem ou para o mal.
2. Os Espíritos superiores não podem vencer a má vontade do Espírito encarnado que lhes serve de intérprete e dos que o cercam?
— Sim, quando o julgam útil, e segundo a intenção da pessoa que os consulta. Já o dissemos: os Espíritos mais elevados podem às vezes comunicar-se, para um auxílio especial, malgrado a imperfeição do médium e do meio, mas então estes lhe permanecem completamente alheios.(1)
3. Os Espíritos superiores tentam levar as reuniões fúteis a intenções mais sérias?
— Os Espíritos superiores não comparecem às reuniões em que a sua presença é inútil. Aos meios de pouca instrução, mas onde há sinceridade, vamos de boa vontade, mesmo que só encontremos instrumentos deficientes.
Mas aos meios instruídos, em que a ironia impera, não vamos. Neles é necessário tocar os olhos e os ouvidos, e esse é o papel dos Espíritos batedores e zombeteiros. É bom que os que se vangloriam de sua sabedoria sejam humilhados pelos Espíritos menos sábios e menos adiantados.
4. É proibido aos Espíritos inferiores comparecerem às reuniões sérias?
— Não. Às vezes permanecem nelas, a fim de aproveitarem os ensinamentos que vos são dados. Mas se calam, como os estouvados numa reunião de sábios.
232. Seria errado pensar que é necessário ser médium para atrair os seres do mundo invisível. Eles povoam o espaço, estão constantemente ao nosso redor, nos acompanham, nos vêem e observam, intrometem-se nas nossas reuniões, procuram-nos ou evitam-nos, conforme os atrairmos ou repelirmos. A faculdade mediúnica nada tem com isso: é simplesmente um meio de comunicação. Segundo vimos no tocante às causas de simpatia e antipatia entre os Espíritos. Compreende-se facilmente que devemos estar cercados dos que têm afinidade com o nosso Espírito, de acordo com a nossa elevação ou inferioridade. Consideremos ainda o estado moral do nosso globo e compreenderemos qual o gênero de Espíritos que deve predominar entre os Espíritos errantes. Se tomarmos cada povo em particular poderemos julgar, pelo caráter dominante das criaturas, por suas preocupações e seus sentimentos mais ou menos morais e humanitários, quais as ordens de Espíritos que nele se encontram.
Partindo desse princípio, imaginemos uma reunião de homens levianos, inconseqüentes, interessados apenas em seus prazeres. Quais seriam os Espíritos que de preferência estariam entre eles?
Não serão seguramente os Espíritos superiores, pois que os nossos sábios e filósofos não iriam passar entre eles o seu tempo. Assim, toda vez que os homens se reúnem, há entre eles uma reunião oculta de simpatizantes de suas qualidades ou de suas imperfeições, e isso sem qualquer idéia de evocação.(2)
Admitamos agora que eles tenham a possibilidade de se comunicar com os seres do mundo invisível através de um intérprete, ou seja, de um médium. Que Espíritos responderão ao seu apelo?
Evidentemente os que lá estão, predispostos a isso, e que nada mais buscam do que uma ocasião favorável. Se numa reunião fútil se evocar um Espírito superior, ele poderá atender, dando uma comunicação orientadora, como a um bom pastor que se dirige às suas ovelhas desgarradas. Mas se não se vê compreendido nem ouvido, vai-se embora, como também o farias em seu lugar, e os outros têm o campo livre:
233. A seriedade de uma reunião, entretanto, não é sempre suficiente para haver comunicações elevadas. Há pessoas que nunca riem, mas nem por isso têm o coração mais puro. Ora, é acima de tudo o coração que atrai os Espíritos bons. Nenhuma condição moral impede as comunicações espíritas, mas se estamos em más condições nos entretemos com os que se nos assemelham, que não perdem a ocasião de nos enganar e quase sempre estimulam os nossos preconceitos.
Vemos assim a enorme influência do meio sobre a natureza das manifestações inteligentes. Mas essa influência não se exerce como pretendiam algumas pessoas, quando ainda não se conhecia como hoje o mundo dos Espíritos, e antes que as experiências mais decisivas tivessem esclarecido as dúvidas. Quando as comunicações concordam com a maneira de ver dos assistentes, não é que as suas opiniões se tenham refletido no Espírito do médium como num espelho, mas que os Espíritos simpáticos a estes, para o bem ou para o mal, participam das mesmas idéias. A prova disso é que, se puderem atrair outros Espíritos, para se comunicarem em lugar dos que habitualmente os cercam, o mesmo médium falará umas linguagens muito diferentes, dando comunicações bastante afastadas das suas idéias e convicções.
Em resumo: as condições do meio serão tanto melhores, quanto maior homogeneidade houver para o bem, com mais sentimentos puros e elevados, mais desejo sincero de aprender, sem segundas intenções.(3)
(1) O original francês diz: par une faveur spéctale, que foi traduzido entre nós: por uma graça especial. O problema da graça, na Doutrina, não comporta concessões especiais. Veja-se a definição da graça no item XVII do Resumo da Doutrina de Sócrates e Platão, na Introdução de O Evangelho Segundo o Espiritismo. Além disso, a tradução certa é a que damos acima, não só pelo sentido da palavra faveurcomo pelo sentido do contexto em que ela aparece. (N. do T.)
(2) A presença dos Espíritos ao nosso redor não depende da mediunidade, nem de qualquer espécie de evocação, da mesma maneira que as mensagens radiofônicas estão sempre no ar, mesmo que não tenhamos um rádio ou não o liguemos. Quando Kardec diz que a mediunidade nada tem com isso, pois é apenas um meio de comunicação, esclarece que a presença dos Espíritos não é um fato mediúnico, porque este implica a percepção dessa presença e a comunicação com os Espíritos. (N. do T.)
(3) Ainda hoje substituem essas explicações hipotéticas entre os adversários do Espiritismo, que não tendo tomado conhecimento da obra de Kardec, ou a tendo examinado com segundas intenções, não compreendem que as explicações doutrinárias resultam de experiências e pesquisas objetivas, de natureza científica. Agora mesmo, na Parapsicologia multiplicam-se as hipóteses imaginosas dos que rejeitam a priori a possibilidade da sobrevivência e da comunicação dos Espíritos. Mas não só o apriorismo desses teóricos é anticientífico, pois também o é a facilidade com que firmam as suas teorias sobre alguns casos isolados, como se eles não estivessem ligados a um quadro muito mais vasto, onde há fatos que não cabem nas suas hipóteses. O Espiritismo é mais científico do que esses teóricos sistemáticos, pois não se atém às idéias, mas se apóia nos fatos. (N. do T.)